sábado, 29 de outubro de 2011

As Ongs, os governos e os "Malfeitos"

Gláucio Gomes

Onde há pouca informação disponível, criam-se mitos e fantasmas. O Terceiro Setor é um universo mitológico para o grande público, para a sociedade brasileira. Atacado pela direita, pelos que defendem a desarticulação de serviços sociais em nome do potencial de mercado para prover as soluções necessárias (para todas as coisas no mundo), e pela esquerda, que considera ONG instrumento reformista, promotor do estado mínimo e qualquer relação com governos como privatizações.

Primeiro mito: que só no Brasil ONGs têm parcerias financeiras com governos. E o mais tolo deles. Em todo lugar do mundo onde há um Estado desenvolvido, há relações entre governo e sociedade civil. O "não-governo" é um mecanismo de agilização na prestação de serviços públicos ou de interesse público, seja nos EUA ou na Europa. É verdade que governos não ocupam o papel de único ou principal financiador. Concordo que essa relação, nesse nível, chega à incoerência. Mas governos são parceiros valiosos de organizações sem fins lucrativos.

Basta lembrar que a maior ONG do mundo (na prática), a ONU, é financiada, em sua esmagadora maior parte, por todos os governos do mundo - é um clube de governos, que não é governo.

Dois mecanismos se destacam para financiamento governamental de ONGs: cooperação técnica ou tecnológica e contratação de serviços.
É até tolo dizer que governos estrangeiros não financiam ONGs, quando são diversas as organizações que, aqui mesmo no Brasil, recebem recursos de agências internacionais de cooperação que são governamentais: como USAID, Inter American Foundation, DFID, JICA, DANIDA, dentre outras. E assim como esses países mantém contratos de cooperação internacional com "atores não-estatais", como a União Européia (grande financiadora) denomina, também apoiam iniciativas não-governamentais dentro de suas fronteiras (através de outras agências).


E em todo lugar do mundo governos precisam contratar atores não-estatais para executar serviços que os próprios governos não tem expertise ou estrutura técnica para realizar por conta própria. Seja em governos de direita (que querem reduzir as dimensões dos governos e terceirizar ao máximo os programas, assumindo apenas um papel de supervisor e regulador) ou de esquerda. Nesse caso, qualquer organização, com ou sem fins lucrativos, que tenha pessoa jurídica e competência para executar tal serviço pode ser contratada pelo governo para executá-lo.

Ora... Não é normal uma empreiteira ACME ser contratada para construir uma hidrelétrica? Não é normal uma empresa de organização de eventos ser contratada por governos para organizar o sorteio de um evento como as Eliminatórias da Copa? Alguém acha que governos são mega-holdings que podem e sabem fazer tudo, sem contratar ninguém? Pois em muitos casos os governos precisam sim contratar serviços sociais especializados e existem ONGs que possuem expertise e competência para isso. A estruturação de um mercado de corrupção na área de compras governamentais no Brasil não é um privilégio das relações dos governos com ONGs. Muito longe disso. Se for um "mal feito", é para todos os modelos de relações público-privadas neste país e em todas as esferas: licitações fraudadas para construir grandes hidrelétricas, repasses estranhos para prefeituras municipais e autarquias, relações mal explicadas de recursos extras para universidades e centros de pesquisa e, sim, também, para ONGs. Por conta de sistemas de gestão absolutamente preparados para abrir brechas. Não são apenas ONGs que são criadas por políticos profissionais para burlar sistemas de acesso a recursos públicos. São também milhares de empresas fantasmas, notas fiscais frias e obras contratadas que custam o triplo para serem realizadas ou nem mesmo são terminadas. E os contratados, nesse caso, são grandes empresas. Por que não cancela os contratos com eles também? E aí? O governo vai construir suas próprias pontes, prédios, estádios, etc? E na maior lisura. Duvido muito. Depois falamos de outros mitos.